sexta-feira, 20 de abril de 2012

Governo empurra Belo Monte goela abaixo


"O governo empurra sim Belo Monte goela abaixo", diz Erwin Kräutler, bispo do Xingu

Dom Erwin Kräutler
Há doze dias vivo a bordo do barco “Teresinha”. Estou visitando as comunidades do interior de Porto de Moz. Não há telefone e muito menos existe acesso à Internet. Faz um bem enorme ficar de vez em quando sem essas comodidades. Tem-se a impressão de estar em outro planeta. Mas as pessoas queridas que encontro ao longo da viagem e que há décadas conheço e amo são a prova de que continuo no mesmo planeta Terra e na “minha terra” que é o Xingu.
A primeira vez que singrei as águas dos rios, furos e lagos de Porto de Moz foi em janeiro de 1968. Lembro os antepassados do povo que agora me abraça. Revejo em muitos rostos os traços de seus avós. Antigamente as famílias vieram a remo. Hoje um motor “rabeta” diminui mais o tempo da viagem. Mesmo assim têm que enfrentar, às vezes por horas, um sol escaldante ou chuvas torrenciais.
O encontro comigo, como o bispo, segue sempre o mesmo esquema. Começa com abraços, cantos, poesias, salva de palmas. Um ambiente festivo e descontraído, sem formalidades, etiquetas e protocolos. Sinto-me em casa. “Vós todos sois irmãos” (Mt 23,8). Também o bispo é irmão! É nestas ocasiões que mais me realizo como pastor, no meio dessa gente que amo e que – eu sei disso – também me ama. Todo mundo se conhece. Essa é uma das mais belas características das Comunidades Eclesiais de Base. Não há estranhos.
Faço questão de primeiro ouvir o povo, escutar a sua história, ser informado a respeito de suas esperanças e angústias, avanços e derrotas. São coisas alegres, estórias pitorescas, “causos” que partilham comigo, mas também assuntos tristes, experiências dolorosas.
Sempre me admiro que esse povo, apesar de viver uma vida dura e penosa, nunca perdeu a alegria. Sabe sorrir! Aliás, que sorriso límpido, espontâneo, cativante! Nada postiço, só para agradar o bispo. Falam do salão comunitário que conseguiram construir, da capela que pintaram, das reuniões semanais, do culto dominical e da novena que não deixaram de celebrar. Revelam também problemas familiares. Alguém denuncia a invasão de geleiras para roubar o peixe, até na época da piracema.

“Vem com malhadeiras de malha tão fina que nem alma passa” diz alguém. Outro relata com orgulho experiências que fazem com as Reservas Extrativistas comunitárias, mas reclama do IBAMA que cai em cima deles por causa de uma tartaruga que pegam, enquanto faz vistas grossas diante das geleiras, do escandaloso roubo de madeira, de desmatamentos e outras agressões ao meio-ambiente, como por exemplo Belo Monte. “Aí dá até todas as licenças para acabar com o nosso Xingu”.
Passo, em seguida, do papel de ouvinte para entrevistado. Jovens e adultos me bombardeiam com perguntas de todo tipo. Assuntos internos da comunidade, do setor, da paróquia, mas também da “conjuntura” econômica e política. Em todas as comunidades, a pergunta principal é sobre. Querem saber detalhes, já que o bispo vem de Altamira, do centro do monstruoso projeto.
“Bispo, será que ainda tem jeito de impedir essa desgraça? Ouvimos falar que estão tocando Belo Monte a todo vapor. Dizem que o governo já gastou muito dinheiro e assim certamente não dá mais para parar a obra. Que o Sr. acha?”
O que realmente devo responder a esse povo? Decido “abrir o verbo”, sem meias-palavras: “Verdade é que um rolo compressor está passando por cima de todos nós. A promessa que Lula pessoalmente me deu no dia 22 de julho de 2009, segurando-me no braço e afirmando “Não vou empurrar este projeto goela abaixo de quem quer que seja” foi pura mentira. Falou assim para “acalmar” o bispo e livrar-se deste incômodo religioso que recebeu em audiência. O governo empurra sim Belo Monte goela abaixo!
Altamira virou um caos em todos os sentidos. Nada do prometido saneamento básico, uma das condicionantes do IBAMA para dar licença para iniciar a obra! Não tem leito nos hospitais, não há vaga nas escolas, homicídios na ordem do dia, prostituição a céu aberto no centro da cidade. Os aluguéis de uma casa simples pularam de 300 para 2.000 Reais. Os preços de alimentos triplicaram. O transito é uma calamidade. Acidentes a toda hora”.
“O que mais vou dizer a vocês?
Fui várias vezes “ver” o canteiro de obras, quer dizer, queria ver, porque não me deixaram entrar, mas vi de longe os estragos já irrecuperáveis. Rezei missa com as comunidades ameaçadas de despejo. Os grandes fazendeiros receberam indenizações, mas o coitado do pequeno produtor e agricultor não sabe o que vai ser dele e de sua família. Arrasaram com uma vila inteira: Santo Antônio. O pessoal da Norte Energia é para lá de arrogante. Se o colono não desocupa o seu sitio, a Justiça dá ordem de despejo e manda a polícia em cima do pobre, pois a Norte Energia considera toda a região propriedade sua e os moradores, que lá vivem desde os tempos do bisavô, invasores.”
“E para onde vai toda essa gente?” Me perguntam.
“Pois também eu quero saber. Prometem solução, mas nunca dizem que tipo de solução, onde, quando, de que jeito.”

“E o povo de Altamira?”
“Muita gente está com o coração despedaçado. Até comerciantes e empresários que antes colaram em seus carros adesivos “Queremos Belo Monte” andam hoje cabisbaixos. Quem pode contra a fúria da “Norte Energia”?
Aliás “Norte Energia” é o próprio Governo, antes Lula, agora Dilma. Nunca houve diálogo com o povo daqui, nem com índios, nem com ribeirinhos, nem com o povo da cidade. O governo traiu o povo que o elegeu e ri-se de quem defende os índios, os ribeirinhos, os pobres atingidos pela barragem.
Fala de preço a ser pago pelo progresso. Só que esse preço sacrifica o nosso povo e não as famílias de políticos em Brasília. Um terço de Altamira vai para o fundo e o resto vai ficar à margem de um lago podre, criador de carapanã e causador de dengue e malária”.
“E os índios? É verdade que estão a favor da barragem?”
“Não digo que estão a favor da barrage. Estão a favor dos presentes que recebem. Muitos deles que antes viviam abandonados pelo governo e entregues à própria sorte, hoje têm todas as contas pagas no comércio, recebem cestas básicas e combustível e outros benefícios. O governo que negou aos índios se manifestarem em oitivas previstas em lei, agora se esmera em entupi-los de dinheiro para fechar-lhes a boca. Antigamente enganou-se os índios com espelhos e bugigangas, hoje milhões de reais são injetados nas aldeias para paralisar a luta indígena e cooptar as lideranças. O preço é muito alto. Não se mata mais índio a ferro e fogo. O dinheiro farto é a punhalada traiçoeira no coração das culturas indígenas e de sua organização comunitária.
E o governo afirma em alto e bom som que nenhuma aldeia será alagada. Aldeia será alagada, sim! O que a Norte Energia faz, é cortar a água aos índios e ribeirinhos da Grande Volta do Xingu. E o povo da Volta Grande vive e sobrevive da pesca. E tem mais. O que vai acontecer com uma aldeia a poucos quilômetros do canteiro de obras onde trabalham milhares de homens? É muito triste! Dá dó!”
“E nós? Como é que nós vamos ficar, nós que moramos abaixo da futura barragem? Ou, como essa gente de Brasília fala, ‘à jusante’?”
“Bem, vocês sabem o que acontece se fazem uma tapagem no igarapé. Acima da tapagem, o que acontece?”
“O igarapé alaga a terra firme!”
“E abaixo da tapagem?”
“Ora, o igarapé seca!”
“Pois é. O Xingu abaixo da barragem vai baixar de nível e os igarapés e afluentes também. Há trechos em que o Amazonas vai entrar no leito do Xingu e nossos peixes que não se dão com a água barrenta do Amazonas vão morrer.”
Por um bom tempo o povo ficou apenas me olhando e não me fez mais nenhuma pergunta. E eu comecei a pensar:
Tudo é matéria prima para fazer negócios. Tudo vira mercadoria a ser explorada, ser comprada e vendida, exportada e consumida! Por isso os homens derrubam e queimam a floresta, represam e sacrificam os rios, assassinam os animais da mata, envenenam as plantas e os pássaros.
Os homens perderam o coração. Tornaram-se insensíveis, brutos, cruéis. Decidiram matar a vida.
Boca do Rio Maxipanã, São Pedro, março de 2012


sexta-feira, 6 de abril de 2012

CONVOCAÇÃO PARA A ASSEMBLEIA DA PRELAZIA DE ITAITUBA




CONVOCAÇÃO PARA A ASSEMBLEIA DA PRELAZIA DE ITAITUBA, PARÁ

“Cantai ao SENHOR um cântico novo;
e seu louvor na assembléia dos fiéis” (Sl 149,1).

Movidos pelo Espírito em vista da organização de uma pastoral de conjunto e elaboração de um plano de pastoral, através desta carta convocamos todo o povo da Prelazia de Itaituba para a grande Assembleia a ser realizada de 15 a 17 de Novembro de 2012, no Centro de Treinamento do Laranjal em Itaituba. Terá início às 8h do dia 15 e terminará às 12h do dia 17.
Deverão participar todos os padres e religiosos, representantes de todas as Paróquias e Áreas Pastorais bem como representantes de todas as Pastorais e Movimentos. Oportunamente serão indicados quantos representantes de cada Paróquia, Área Pastoral, Pastorais e Movimentos poderão participar.
A 49ª Assembleia Geral da CNBB, realizada em Aparecida-SP, de 4 a 13 de maio de 2011, aprovou as novas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora para a Igreja Católica no Brasil.
Já no Nº 2, o próprio Documento esclarece: Diretrizes são rumos que indicam o caminho a seguir, abordando aspectos prioritários da ação evangelizadora, princípios norteadores e urgências irrenunciáveis. Os planos de pastoral das Igrejas Particulares percorrem um roteiro específico, contendo estudo e iluminação da realidade à luz da fé, objetivos, critérios e meios para sua concretização na própria realidade. Realizar planos é uma tarefa que cabe às Comissões Pastorais e às Igrejas Particulares, com suas paróquias, comunidades, organismos, movimentos leigos, institutos de vida consagrada, em suma, todos os agentes de pastoral. Na interação entre as diretrizes e os planos, o objetivo geral é assumido por todos os Bispos do Brasil, em suas Igrejas Particulares, preservando-se a unidade e a diversidade.
Portanto, em comunhão com toda a Igreja do Brasil, a Prelazia de Itaituba deve, à luz das Diretrizes Gerais, elaborar seu próprio plano de evangelização. Este é o objetivo da nossa Assembleia.
Para isto, seguindo as orientações das Diretrizes, teremos que dar os seguintes passos:
1º Passo: Fazer um levantamento da nossa realidade para ver onde estamos.
Trata-se de colocar os pés no chão. Se ignoramos a realidade, não evangelizamos. As boas respostas pastorais dependem da identificação das verdadeiras necessidades de evangelização (Diretrizes 127).
2º Passo: Onde precisamos estar
Na ação evangelizadora, o ponto de chegada está em olhar para o horizonte do Evangelho, mostrado em Jesus Cristo e, Nele, a presença do Reino de Deus, na precariedade da história (Diretrizes 127).
3º Passo: Urgências Pastorais
As Diretrizes Gerais apontam 5 urgências: 1) Igreja em estado permanente de missão; 2) Igreja: casa da iniciação cristã; 3) Igreja: lugar de animação bíblica da vida e da pastoral; 4) Igreja: comunidade de comunidades; 5) Igreja a serviço da vida plena para todos.
No processo de planejamento, cada Igreja Particular irá averiguar em que medida estas urgências correspondem aos desafios reais de seu contexto e se alguma outra em especial pode ser somada a elas (Diretrizes 131).
4º Passo: O que queremos alcançar
Este passo é expresso no objetivo geral e nos objetivos específicos. O OBJETIVO GERAL aprovado pelos Bispos até o ano 2015:  EVANGELIZAR, a partir de Jesus Cristo e na força do Espírito Santo, como Igreja discípula, missionária e profética, alimentada pela Palavra de Deus e pela Eucaristia, à luz da evangélica opção preferencial pelos pobres, para que todos tenham vida, rumo ao Reino definitivo.
À luz do objetivo geral, a comunhão eclesial interpela e estimula cada Igreja Particular a elaborar seus próprios objetivos e planos pastorais, sem prejuízo de sua autonomia, em sintonia com os planos pastorais do Conselho Episcopal Regional e as prioridades da Assembleia Regional de Pastoral (Diretrizes 132).
5º Passo: Como vamos agir
A nossa ação evangelizadora deve ser pautada por quatro exigências: 1) serviço, 2) diálogo, 3) anúncio, 4) testemunho da comunhão. O serviço se concretiza especialmente na dimensão sócio-transformadora; o diálogo se concretiza na dimensão ecumênica e do diálogo religioso; o anúncio se concretiza na dimensão missionária; o testemunho da comunhão se concretiza na dimensão comunitário-participativa, que se alimenta nas fontes da Palavra (dimensão bíblico-catequética) e da liturgia (dimensão litúrgica). As exigências da evangelização acentuam o aspecto missionário da vida da Igreja” (Diretrizes 134).
6º Passo: O que vamos fazer
Trata-se da intervenção na realidade apreendida à luz da fé, buscando responder às urgências pastorais, segundo os objetivos e critérios de ação estabelecidos. É o momento da programação, ....... Agrupar as ações em programas, comuns e específicos. Os programas conjuntos reúnem ações que dizem respeito a todos e os específicos, as ações de serviços de pastoral determinados e de organismos. Os programas aterrissam na prática, através de projetos, que podem ser pensados em suas metas (o quê), passos (como), responsáveis (quem), recursos (com quê), data (quando) e lugar (onde). (Diretrizes 136).
7º Passo: A renovação das estruturas
“Vinho novo, odres novos” (Mt 9,17): mudadas as ações, é preciso igualmente mudar as estruturas que lhe dão suporte. Este é sempre o último passo de um processo de planejamento, porém imprescindível. Se não renovamos as estruturas e a própria instituição, o processo de mudanças, ao qual as ações se propõem perseguir, estará prejudicado, quando não estagnado. (Diretrizes 137).

No encontro dos padres, religiosos e representantes das paróquias e áreas pastorais, realizado dias 20 e 21 de fevereiro último no Centro de Treinamento do Laranjal, foi decidido:
a) que seja criada uma comissão para articular todo processo em vista da assembleia;
b) que se faça um levantamento da realidade econômica, social, eclesial etc. da Prelazia de Itaituba;
c) que se conscientize as lideranças sobre as diretrizes da CNBB e sejam envolvidas no processo da assembleia;
d) que se faça um questionário para o levantamento da realidade de cada paróquia;
e) que cabe às paróquias e áreas pastorais: 1) Convocar assembleias paroquiais para responder os questionários; 2) Encaminhar para a comissão central a resposta do levantamento da realidade e o feed-back nos prazos determinados.
Os membros da comissão preparatória são: Pe. Charles Augusto Silveira de Oliveira, Frei Marcos Bezerra, Pe. Paulo Cordeiro de Oliveira Filho e Frei Romualdo Borges de Macedo.
Maria Santíssima, Mãe da Igreja, que na hora da Cruz soube, no silêncio da esperança, aguardar a manhã da Ressurreição, vos acompanhe com materna solicitude e interceda por todos juntamente com São José e a Senhora Santana.

Itaituba, 03 de Abril de 2012.
Terça-feira Santa


Dom Frei Wilmar Santin, O.Carm.
Bispo da Prelazia de Itaituba

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